Formação das colônias

No mesmo século, os europeus

Foi na terra que hoje corresponde a São Lourenço do Sul que desembarcaram por aqui os pomeranos

Na metade do século 19, com Pelotas ainda sob o regime escravagista, a cidade acompanha o movimento oficial brasileiro de formação de colônias. Datada de 1850, a Lei de Terras tem grande importância nesse momento como uma primeira tentativa de organizar a propriedade privada brasileira. A lei determina a compra como a única forma de acesso à terra e abole de forma definitiva o regime de sesmarias.

Foi nessa época que Pelotas recebeu, por exemplo, um povo historicamente discriminado, pouco valorizado, mas de grande importância na formação cultural da cidade: os pomeranos. Foi na terra que hoje corresponde a São Lourenço do Sul que desembarcou por aqui este povo, oriundo de região situada geograficamente entre Polônia e Alemanha e com traços eslavos na língua e no físico.

A história da Pomerânia é tão rica quanto triste. Sob poder de diferentes impérios ao longo dos anos, a região esteve de 1186 a 1806 dominada pelo Sacro Romano-Germânico. Com a dissolução deste, por Napoleão Bonaparte, a Pomerânia passou a fazer parte da Prússia e, depois, do Império Alemão. A discriminação, pelas diferenças, e as constantes guerras a que a população estava vulnerável, forçaram a imigração de 330 mil pomeranos, estabelecidos no Espírito Santo, em Santa Catarina - a cidade de Pomerode é o principal centro - e no Rio Grande do Sul.

Entre estes estavam os bisavós de Elizete Jeske, 61 anos. Assim como a maioria dos pomeranos que aqui desembarcaram, se estabeleceram na região através do trabalho como agricultores. Ela destaca diferenças entre homens e mulheres que persistem até os dias de hoje: eles vivem pouco - “se chega aos 70 já dá graças a Deus” -, elas vivem quase sempre passando dos 90. Eles trabalham na lavoura e em artesanatos, elas são responsáveis pela gastronomia, destacando-se aqui a produção de grandes e pesados bolos, compotas e produtos embutidos. Elizete também destaca o trabalho na odontologia.

Segundo ela, porém, o trato dado pelo pelotense ao pomerano foi sempre digno de críticas ao longo da História. Ela lembra da época da Primeira Guerra Mundial, quando tudo aquilo que não era espelho brasileiro fora queimado: documentos, pertences e cultura viraram cinza, ao que, com o passar do tempo, a língua pomerana acabou se perdendo - a própria Elizete não sabe falar, embora leia com perfeição. Na sequência, o preconceito é que foi ganhando força. “Nos chamam de sujos, burros, glutões. Não reconhecem a nossa nacionalidade, nos designando como alemães. Acham que não recebemos bem pessoas de outras nacionalidades. Recebemos muito bem. Assim como o português não aceitou o pomerano, eles acham que a gente faz o mesmo”, critica.

Elizete gerencia o Jeske’s Casa de Café e Cultura Pomerana, cuja arquitetura, assim como a decoração e o revestimento - todo de madeira -, faz jus ao nome. Lá, ela e o filho servem café colonial e apresentam artigos típicos da terra natal da família, como trajes - destacam-se as vestes escuras que as noivas vestiam em sinal de luto por estarem casando com homens por quem não nutriam amor -, mapas, balanças, fotos.

Na culinária, ela chama atenção para a rosa do mar - seerosen em pomerano -, o pão de milho com batata, o doce de melancia e a banha com torresmo. Essas e outras delícias estão entre as 50 variedades servidas no café colonial do estabelecimento. “As pessoas vêm aqui e perguntam se tem maionese, bolo de chocolate. Não tem. Não é pomerano”, comenta Elizete, esperançosa da implementação de programa governamental voltado a resgatar a língua e a cultura do país.

Ainda no cerne teuto-germânico, Pelotas recebe na zona rural a presença dos imigrantes alemães. Fixados na região de forma descontínua, esses europeus se instalaram entre colônias de outras etnias, na periferia do município.

Dos imigrantes alemães desse período se destaca Carlos Ritter, fundador da Die Deutsche Evangelische Gemeinde in Pelotas - ou a Comunidade Evangélica Alemã em Pelotas. Criou também a Sociedade Escolar, mantenedora do Collegio Allemão de Pelotas, cuja duração se deu até 1942, quando ser alemão virou sinônimo de repressão no município.

A principal herança de Ritter, entretanto, talvez seja a cervejaria Ritter, que, juntamente com a Sul-rio-grandense, gerenciada por Leopoldo Haertel, fez de Pelotas um polo produtor da bebida no país. Ambas viveram apogeu entre o fim do século 19 e a primeira metade do 20, quando, já fundidas, foram compradas pela carioca Brahma, com o objetivo de terminar com a forte concorrência estabelecida pelas pelotenses.

Italianos e franceses

O rápido crescimento econômico de pelotas no século 19 chama a atenção de italianos e franceses
que se radicam na zona rural e também urbana, influenciando cultura e gastronomia da cidade

Também da Europa, um povo esperançoso desembarca no século 19 para ser uma das principais referências culturais brasileiras. Cantando para fazer a própria América, os italianos sonhavam com uma terra grande e fértil em que pudessem plantar, tendo em vista os chamativos cartazes que faziam propaganda do Brasil como uma nova e rica pátria.

No Sul do Sul, tais imigrantes desembarcam no porto de Rio Grande, onde era obrigatório ficar de quarentena a fim de evitar a transmissão das doenças europeias, e em seguida são transportados de carroça para a zona rural. Já na região de Pelotas, se registravam na Colônia Maciel, não raro mudando o sobrenome para serem melhor aceitos ou fugirem de fiscalização, em caso de imigração clandestina.

Nesse momento, ficou difícil disfarçar a decepção: ao contrário do que a propaganda anunciava, o Brasil, à época, era mais mato do que qualquer outra coisa, ao que o improviso foi necessário tanto para morar quanto para que pudessem trabalhar na lavoura, onde se estabeleceram em grande maioria, fundando colônias como a Accioli e a Afonso Pena, no pedaço de chão que hoje responde por Morro Redondo. “É importante dizer que, quando chegam, esses locais não estão vazios. Tem índio e tem negro lá, então ocorrem muitos conflitos que acabam por reduzir essa população inicial”, ressalta o professor e historiador Fábio Cerqueira. 

Outros italianos, entretanto, optaram pela zona urbana e engana-se quem pensa que a arquitetura pelotense tem influência principal em Portugal ou na França. Cerqueira salienta que o estilo predominante nas construções da cidade é o ecletismo histórico, cujos elementos lembram o neorrenascentismo - espécie de revival da estética eternizada por Michelangelo. José Merotti e Guilherme Marcotti se destacaram no setor ao projetarem a Santa Casa de Misericórdia e a Beneficência Portuguesa. Dentro da arte, a imigração italiana teve outros destaques na cidade: Frederico Trebbi, professor, se fixou em Pelotas em 1870. Romeo Tagagnin, maestro, foi o compositor do hino de Pelotas.

Ao longo do tempo, a recepção do pelotense ao imigrante italiano foi pendular: se por vezes foram essas pessoas acolhidas, outros momentos tiveram mais tensão. “Até a década de 1980, ainda havia muito resquício da Segunda Guerra, então não era interessante ser imigrante alemão ou italiano. Houve inclusive perseguição violenta. Era pensado que eram perigo, achavam que eram alinhados com o nazismo”, conta Fábio Cerqueira.

Em tal momento foi importante a união dos imigrantes, característica marcante do povo desde que chegou a Pelotas. Em 1873, os italianos formaram a Union e Philantropia, com sede no Hotel Aliança. Após alterações ao longo das décadas, ela se tornaria a hoje Associação Cultural Italiana Pelotense, que entre outras atividades promove aulas de língua e cultura italiana, além de grupo de canto folclórico. Tudo para que o jovem novamente se aproxime das origens. “Temos que valorizar o árduo trabalho que nossos ultrapassados passaram para que hoje estivéssemos aqui. Hoje os mais moços não se sentem italianos”, comenta Maria Tereza Girão, diretora cultural da entidade. Ela destaca, entretanto, o respeito ao que é brasileiro. No último dia 2, a Associação realizou almoço especial em comemoração ao aniversário de Pelotas. Em cima das toalhas quadriculadas, carreteiro e feijoada.

Já na zona urbana, a principal referência de imigração europeia em Pelotas à época é francesa. Além dos já citados franceses do País Basco que migraram ao Uruguai para depois virem ao Brasil, a partir da década de 1820 a cidade começa a receber a interferência cultural da terra de Napoleão.

Como Pelotas à época caracterizava-se pelo viés urbano - neste período fora construído o Theatro Sete de Abril, por exemplo -, os franceses se sentiram estimulados a construir vida na região, trazendo consigo, por exemplo, o gosto pela fotografia e o método de ensino escolar - o primeiro professor pelotense era do país e, já no século 20, as irmãs Marie Alix e Saint Jean, fundadoras do Colégio São José, se destacam pela educação das meninas.

A partir de 1879 uma segunda leva de franceses ruma à zona rural pelotense. Um obelisco na até hoje chamada Colônia Francesa dá nome às famílias imigrantes: Ribes, Capoebosco, Pastorello, Jouglard, Fouchy, Wahast, Escallier, Ferrari, Charnaud, Carret, Crochemore, Bachini, Betemps e Martin. Segundo o professor e historiador Fábio Cerqueira, a atividade inicial destes franceses é a fabricação de vinhos, fazendo de Pelotas a principal produtora da bebida dentro do Brasil. Já no século 20, sob influência política de Getúlio Vargas e Borges de Medeiros, a região serrana toma o posto e obriga os imigrantes a concentrar esforços na fruticultura através de doces caseiros, como os que até hoje a Crochemore produz, e de compostas. Surge aí o pêssego como protagonista da cidade.

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